Como é ser pai em 2012? O PÚBLICO lançou a pergunta aos leitores do online e recebeu cerca de uma centena de respostas.
Andrea Cunha Freitas
Prometem substituir a Playstation por
brincadeiras em poças de água. Seguram-se na importante almofada que é a
retaguarda familiar — muitas vezes chamada avós. Fazem contas à vida e reclamam
da falta de apoio do Estado às famílias. Alguns ponderam emigrar. Muitos estão
desempregados. Todos se sentem inseguros mas quase todos se dizem optimistas. Os
pais de 2012 tiveram filhos que são também filhos da crise
Ter um filho em 2012 é um acto de coragem, irresponsabilidade ou um sinal de optimismo?
Ter um filho em 2012 é um acto de coragem, irresponsabilidade ou um sinal de optimismo?
Lançámos a pergunta aos nossos leitores e
esperámos pelas respostas. Recebemos muitas histórias que falam nessa parte tão
importante da vida que é ter um filho. São todas diferentes e todas iguais.
Diferentes nos detalhes e iguais na declarações de uma vontade, um sonho, um
plano de vida que falou mais alto do que a crise. Apesar das muitas
dificuldades, admitindo tantos medos e riscos, tiveram, em 2012, o primeiro
filho ou mais um. Não interessa. Asseguram que vale a pena. Bárbara, Maria João,
Filipe, André, Mariana, Mattia, Constança, Inês, Margarida, Júlia... são bebés
nascidos na crise em Portugal.
É verdade que nos testemunhos sobram as
descrições de um sentimento que tem tanto de enternecedor como de ridículo. É
verdade que os e-mails enviados são cartas de amor. “O nosso pequenote
é a maravilha mais perfeita que existe (...) Lutar nunca me pareceu tão material
e humano, nunca me pareceu tão concreto. Quem diria que uns bracinhos tão
pequenos e umas mãozinhas tão frágeis poderiam dar um empurrão tão forte?”,
escreve Francisco Pessanha. “Para mim que sempre quis ser mãe, que crise pode
ofuscar aquele sorriso de gengiva ainda despida todas as manhãs?”, pergunta
Sofia Pereira, mãe de uma menina “mais planeada do que o 11 de Setembro” com
quase 11 meses.
Mesmo quando o discurso nos parece ser o mais
realista possível, o coração acaba por sair pela boca. “Na minha opinião, e
falando de uma forma mais fria, não há vantagens em ter um bebé. Choram, fazem
cocós, chichis, trocam-nos os sonos, fazem-nos gastar bastante dinheiro
(quartinho, banheira, roupas, cuidados de saúde, etc.) e para não falar da vida
atribulada para conciliar o trabalho com a rotina do bebé. Mas depois, quando
ele dorme no nosso colo ou fica a olhar para nós, isso tudo é esquecido e
sentimos que a vida ganha um novo propósito”, diz um pai que se identifica como
RA.
Queda brutal da natalidade
As decepcionantes estatísticas da natalidade são conhecidas. Fala-se num “inverno demográfico” que dura há 30 anos e que se agrava a cada ano que passa. No início deste mês uma das notícias do PÚBLICO referia em título que “2012 vai ser o ano com menos bebés de que há registo”. Até ao final do ano, o número de crianças nascidas em Portugal não deverá ultrapassar os 90 mil e, com isto, o país é “campeão” nos dados que confirmam a queda da taxa bruta de natalidade na Europa. Cientistas, Governo, Presidente da República, Igreja unem-se no apelo que diz que Portugal precisa de mais bebés. Porém, estas vozes são abafadas pelo poderoso grito da crise que nos exige cada vez mais cortes e contenção.
Queda brutal da natalidade
As decepcionantes estatísticas da natalidade são conhecidas. Fala-se num “inverno demográfico” que dura há 30 anos e que se agrava a cada ano que passa. No início deste mês uma das notícias do PÚBLICO referia em título que “2012 vai ser o ano com menos bebés de que há registo”. Até ao final do ano, o número de crianças nascidas em Portugal não deverá ultrapassar os 90 mil e, com isto, o país é “campeão” nos dados que confirmam a queda da taxa bruta de natalidade na Europa. Cientistas, Governo, Presidente da República, Igreja unem-se no apelo que diz que Portugal precisa de mais bebés. Porém, estas vozes são abafadas pelo poderoso grito da crise que nos exige cada vez mais cortes e contenção.
Os pais de 2012 vivem ao som deste grito. Nos
testemunhos enviados ao PÚBLICO, todos fazem contas à vida. Nas histórias onde o
desemprego não está de facto já presente, a pura ameaça assusta. E, mais uma
vez, a terrível estatística: 15,9% da população portuguesa está
desempregada.
Alda Silva chora com medo e chora de rir. As
lágrimas que caem por causa do medo são pelo dia de amanhã. As que são
empurradas pelas gargalhadas são da inteira responsabilidade de Maria João, com
pouco mais de um ano. A filha de Alda nasceu quando a mãe tinha trabalho. No
final da licença de maternidade, o contrato acabou e Alda ficou no desemprego.
Alda e Maria João estão 24 horas juntas. “Como vivo? Vivo com medo... muito medo
do incerto”, escreve.
Nunca como agora o argumento de “ter condições”
para ter um filho foi tão influente. Esta não é a melhor altura para aumentar
encargos. Em troca ouvimos de resposta o que também já sabemos de antemão: é
muito difícil reunir todas as condições para ter um filho, em tempo de crise ou
sem ela. O pediatra Mário Cordeiro está deste lado: “Não creio que se deva ser
leviano, quanto ao ter filhos, mas também não se deve pensar ‘de mais’ no
sentido de só os ter quando estiverem reunidas ‘todas as condições’. Nunca será
o caso.”
“Não há momentos perfeitos!”, confirma Mariana
Castro, uma das mães de 2012, que quando contou à sua mãe que estava grávida viu
o sorriso da futura avó suspenso por causa da crise. “A minha mãe ficou
assustada, disse que as coisas estavam complicadas e que estando a crise longe
de acabar tinha sido um pouco precipitado.” Casada desde 2009, Mariana não quis
mais adiar o sonho. Hoje a filha tem mais de nove meses e a somar às
“dificuldades, desemprego, trabalhos pouco estáveis, etc.” há as contas com as
“vacinas fora do Plano Nacional de Vacinação, os leites, os remédios”.
Pronto, as condições perfeitas não existem.
Mas... agora? Porquê agora? Porquê logo agora em plena crise? A socióloga
Vanessa Cunha acredita que o “factor idade” será um dos mais determinantes na
decisão. “Muitas destas pessoas não podiam esperar mais e não quiseram adiar o
projecto de parentalidade, sob pena de o comprometer. Muitas terão pensado “é
agora ou nunca”.
A socióloga acertou na ideia que se repete em
muitos testemunhos e acertou mesmo na frase exacta. “Tenho 38 anos e estou
grávida do segundo filho. O primeiro tem nove anos. Eu e o pai decidimos ter
este filho porque estamos os dois com cerca de 40 anos e estamos cansados de
esperar por um contexto económico mais favorável, que nunca chega! (...) Como a
vida não espera por nós, decidimos que era agora ou nunca!”, diz Patrícia
Costa.
Almofada familiar
Há o alarme do relógio da fertilidade mas há também o que Vanessa Cunha chama “almofada familiar”. Chegamos aos avós, algo que pode fazer toda a diferença entre ter e não ter (mais) um filho. Podem ser outros membros da família, mas em alguns dos testemunhos enviados está a referência (e uma reverência) aos avós. Ou porque ajudam financeiramente — pagando algumas contas e compras — ou, simplesmente, porque estão ou vão estar lá, para tomar conta dos netos ou para ir buscá-los à creche.
Há o alarme do relógio da fertilidade mas há também o que Vanessa Cunha chama “almofada familiar”. Chegamos aos avós, algo que pode fazer toda a diferença entre ter e não ter (mais) um filho. Podem ser outros membros da família, mas em alguns dos testemunhos enviados está a referência (e uma reverência) aos avós. Ou porque ajudam financeiramente — pagando algumas contas e compras — ou, simplesmente, porque estão ou vão estar lá, para tomar conta dos netos ou para ir buscá-los à creche.
Os avós servem de almofada e também de
inspiração pelo seu passado. São muitas as frases dos pais de 2012 que começam
com a expressão “no tempo dos meus avós”. Um tempo também difícil mas em que
tudo se arranjava, em que havia sempre espaço para mais um na mesa e os filhos
“se criavam”. Uma ideia demasiado romântica para as expectativas que temos hoje
para os nossos filhos, avisa Vanessa Cunha. É que o tempo desses avós foi também
um tempo em que muitas crianças apenas completavam o 4.º ano de escolaridade e
depois iam trabalhar, um tempo em que os nossos indicadores de mortalidade
infantil estavam muito longe do sucesso e progresso que foi conquistado nos
últimos 30 anos. “Acho que ninguém quer voltar atrás, até esse tempo”, corrige
Vanessa Cunha.
A “almofada familiar” torna-se ainda mais
essencial na decisão de ter um filho perante a escassez de apoios públicos à
família. Os pais queixam-se. “A falta de oferta pública de infra-estruturas
torna um bebé muito caro e condiciona com certeza muitas famílias em terem um ou
mais filhos”, acredita Rita Cabaço, 35 anos, mãe de um filho. A falta de creches
públicas é um alvo concorrido nas histórias dos pais de 2012 mas critica-se
também a insuficiência de subsídios de apoio e, especificamente, as alterações
drásticas no abono de família. “Havia um contrato de cooperação entre o Estado e
as famílias e as regras foram radicalmente alteradas, sem qualquer perspectiva
futura”, nota Vanessa Cunha.
A Associação Portuguesa de Famílias Numerosas
tem denunciado este Estado ausente e negligente. “É preciso que o Estado
reconheça os encargos que as famílias com filhos a cargo têm e que estes deverão
ser contabilizados na hora de avaliar a capacidade financeira das famílias:
neste momento, para o cálculo da taxa do IRS e para a isenção das taxas
moderadoras, os filhos contam zero, enquanto para o abono de família valem
apenas como meia pessoa”, lê-se num comunicado publicado este ano no
site.
Karin Wall, socióloga e investigadora principal
do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa e directora do
Observatório das Famílias e das Políticas de Família, acha que este abandono que
os pais de 2012 sentem em relação ao Estado é legítimo. As alterações ao abono
de família já em 2004, com Bagão Félix, deixaram de fora uma grande parte das
famílias, reservando para este apoio apenas os mais pobres. O cheque mensal não
era elevado mas, sublinha a directora do Observatório das Famílias, “é uma
mensagem que o Estado dá de apoio às famílias e que deixou de existir”. “No caso
de apoio económico às famílias, há uma série de instrumentos que passaram de um
esquema universal para um selectivo”, constata.
Mas Karin Wall põe alguma água na fervura. “Há
apoios em várias áreas. Na última década houve um empenhamento grande para
aumentar o número de creches que são subsidiadas pelo Estado e que funcionam
como IPSS (instituições particulares de solidariedade social). A taxa de
cobertura para creches e amas entre os 0 e os 3 anos aumentou para 37%, acima do
objectivo europeu dos 33%”, contrapõe.
A mensagem que hoje vem do Estado é aguentar,
consumir menos, cortar, racionalizar. Algo que bate de frente com o crescer de
uma família. Quando se tenta conciliar a crise que se tem com os filhos que se
quer, é inevitável mudar. Mudar tudo, desde a casa, à cidade, ao modo de viver e
até de brincar. “A crise pode ser uma ocasião de repensar o que se gasta com as
crianças, como se gasta e quando se gasta”, defende o pediatra Mário
Cordeiro.
Sem Barbies e sem consolas
Carolina tem 16 meses e é a filha de Cristiani Oliveira, uma brasileira a residir em Portugal há mais de dez anos. “Diante de todos os meios electrónicos e prendas caras, sabe quais são os brinquedos e brincadeiras favoritas da minha filha? Bolas de sabão, correr no parque, brincar na beira do mar. Tudo grátis ou quase. (...) Ser pai em tempo de crise é difícil de facto para as classes mais baixas, quando há a preocupação de ter ou não pão na mesa todos os dias. Quanto à classe média, que é onde me incluo, custa-me ver o discurso ‘zero filhos’ ou ‘um filho’ quando a preocupação é se poderão ou não dar uma Playstation, as viagens mais caras, um consumismo desenfreado, etc.”, escreve a mãe de Carolina.
Sem Barbies e sem consolas
Carolina tem 16 meses e é a filha de Cristiani Oliveira, uma brasileira a residir em Portugal há mais de dez anos. “Diante de todos os meios electrónicos e prendas caras, sabe quais são os brinquedos e brincadeiras favoritas da minha filha? Bolas de sabão, correr no parque, brincar na beira do mar. Tudo grátis ou quase. (...) Ser pai em tempo de crise é difícil de facto para as classes mais baixas, quando há a preocupação de ter ou não pão na mesa todos os dias. Quanto à classe média, que é onde me incluo, custa-me ver o discurso ‘zero filhos’ ou ‘um filho’ quando a preocupação é se poderão ou não dar uma Playstation, as viagens mais caras, um consumismo desenfreado, etc.”, escreve a mãe de Carolina.
“Cresci sem Barbies, sem consolas, em escolas
públicas, a andar de autocarro, a ir ao restaurante só em aniversários, a
receber poucas prendas no Natal, a estimar e poupar os meu brinquedos, a
partilhá-los com os meus cinco irmãos, a saltar para as poças de água de
galochas, a fazer casas-na-árvore, a arrancar rabos às lagartixas. (...) Hoje
tenho um filho e quero poder dar-lhe tudo! Tudo é também as poças, a chuva, os
passeios no campo, os dias na praia, o sol, uma boa educação, escolas melhores,
gente educada à sua volta, a lua e uma ou muitas voltas ao mundo!”, diz Joana
Brandão, 35 anos, “actriz desempregada, casada — feliz, mãe de um filho de três
anos e grávida de três meses”.
“Ainda bem”, reage Vanessa Cunha, vendo as
vantagens de, “perante a adversidade, sermos capazes de repensar a forma de
estar na vida”. “A nossa geração — que agora está a ter filhos — foi em grande
parte educada com alguma facilidade no acesso ao consumo. Este pode ser um
momento de reavaliação.” A socióloga insiste: “A crise não toca todas as
famílias da mesma maneira.”
Assim, se uns vão prescindir de (ou adiar) uma
viagem à Eurodisney, mudar de carro ou comprar uma casa maior, brincar numa poça
de água em vez de comprar uma Playstation, outros terão de tomar opções bem mais
difíceis. “Tenho 25 anos, sou licenciada em Relações Públicas e Comunicação
Empresarial, o curso pouco importa, o meu maior objectivo nesta vida era ser
mãe”, começa Teresa Nascimento. O filho nasceu em Março de 2012. E agora? “É
muito duro, todos os dias é uma luta constante”, conta. Teresa que ganha 560
euros por mês pelo trabalho especializado que faz “a preço de saldo” para um
empresa. O marido ganha pouco mais do que isso. A renda é de 350 euros e,
contabiliza, “a mensalidade da creche será de 180 euros”. E é então que, diz, “o
engenho aguça”. “Nunca compramos Dodots, lavamos com água como antigamente, com
panos turcos, não compramos comida feita, fazemos tudo, o nosso bebé nunca comeu
uma farinha comprada (...). O meu marido passou a ir a pé da estação de
Entrecampos até ao Saldanha para poupar no passe, eu deixei de beber cafés e de
comprar um lanche na rua, levo marmita como as operárias de antigamente. Não
fazemos férias e não compramos nada por impulso, nunca soubemos o que era o
prazer de comprar alguma coisa só porque gostávamos dela. Fazemos a planificação
do mês no mês anterior, aceitamos roupa de quem queira oferecer, tanto para nós
como para o menino”, descreve.
Por coincidência, 20 minutos depois de
recebermos o testemunho de Teresa Nascimento, chega o relato de César Medalha
Pratas. As diferenças saltam à vista. “Eu e a minha mulher temos proveniências
de famílias de classe média-alta. Crescemos com acesso a todo o tipo de bens e
nunca passámos dificuldades sérias!”, conta o advogado, casado com uma psicóloga
clínica. Ter um filho era um desejo com algum tempo e fazê-lo acontecer em 2012
é uma aventura. Também aqui houve mudanças, ainda que muito distantes da
realidade de Teresa. “Sabíamos de antemão que iríamos fazer concessões ao nosso
estilo de vida desafogado! E assim foi, fizemos um plano e temos de o cumprir,
sob pena de vermos o crescimento do nosso filho complicado! Trocámos de casa,
mas não para a casa que sonhávamos, teve de ser uma casa bem mais pequena do que
a que tínhamos projectado. Deixámos de jantar fora três ou quatro vezes por
semana, e as duas ou três vezes por ano que viajávamos para fora do país
deixaram de existir...”
Emigrar e não
emigrar
Emigrar também pode ser uma solução, dizem estes pais. E há quem já o tenha feito, quem esteja a pensar nisso e quem tenha encontrado um meio-termo. Rita Cabaço enviou o seu relato e o seu retrato de família: a mãe e o filho André (agora com dez meses) sentados num sofá e o pai... numa imagem digitalizada no computador. “Depois de engravidar, o meu namorado deixou de ter trabalho em Portugal e teve de emigrar. Passei o fim da gravidez sozinha e agora estou também sozinha a tomar conta do bebé que tem nove meses, o que é desgastante fisicamente e também emocionalmente”, conta. Mário Baptista entretanto voltou, mas como não consegue arranjar emprego pondera voltar a sair do país.
Emigrar também pode ser uma solução, dizem estes pais. E há quem já o tenha feito, quem esteja a pensar nisso e quem tenha encontrado um meio-termo. Rita Cabaço enviou o seu relato e o seu retrato de família: a mãe e o filho André (agora com dez meses) sentados num sofá e o pai... numa imagem digitalizada no computador. “Depois de engravidar, o meu namorado deixou de ter trabalho em Portugal e teve de emigrar. Passei o fim da gravidez sozinha e agora estou também sozinha a tomar conta do bebé que tem nove meses, o que é desgastante fisicamente e também emocionalmente”, conta. Mário Baptista entretanto voltou, mas como não consegue arranjar emprego pondera voltar a sair do país.
Nuno Frade escolheu uma estratégia diferente e
optou por emigrar... sem ter de emigrar. Nuno, 34 anos, vivia na grande Lisboa
onde um dia ficou desempregado. Há dois anos decidiu com a sua companheira
Paula, de 30 anos, procurar “um cantinho com qualidade de vida” e criar um
negócio próprio. “A Margarida nasceu a 14 de Setembro na Maternidade de
Portalegre e foi registada em Marvão, uma das regiões mais desertificadas de
Portugal.” Um lugar onde “as crianças são tratadas como tesouros” e onde
Margarida não será mais um número, acredita os pais.
Os dados do Censos 2011, divulgados esta
semana, mostram que em 2011 o número de núcleos familiares “casal com filhos”
continuava a ser o predominante (mais de um milhão e 600 mil famílias com esta
estrutura), mas menos do que em 2001 quando o valor ultrapassava um milhão e 700
mil. As famílias estão também mais pequenas, diz o Censos de 2011. Vanessa
Cunha, que é a principal autora de uma investigação que concluiu que as famílias
com filhos únicos poderão atingir um número recorde e tornar-se maioritárias na
geração dos que estão entre os 30 e 40 anos, reforça esta tese. “Esta geração
vai fazer as opções mínimas de parentalidade”, diz. E não é necessariamente
porque querem. Muitas vezes o número de filhos que têm não coincide com os que
gostariam de ter.
Nas histórias contadas pelos pais de 2012 não
encontrámos retratos catastróficos — ainda que um pai de família tenha
profetizado com uma certeza inabalável a chegada de uma III Guerra Mundial — nem
vidas de fome e miséria nua e crua. As pessoas que tomaram esta decisão em 2012
e que estão a sofrer por causa disso não aparecem nestes testemunhos mas existem
em Portugal. “Há pessoas que tiveram filhos e que estão numa situação terrível”,
lamenta Karin Wall, que lembra que a taxa de risco de pobreza está muito acima
da média nas famílias com desempregados, famílias numerosas (a partir de três
filhos) e monoparentais. “Estas, definitivamente, precisam de apoio”,
alerta.
E, por fim, uma certeza: se o PÚBLICO tivesse
feito a pergunta ao contrário e procurasse as pessoas que, em 2012, abandonaram
ou adiaram a decisão de ter um filho por causa da crise, a história a contar
seria muito diferente. “Há muitas pessoas à espera de melhores dias”, diz a
socióloga Vanessa Cunha. Karin Wall concorda: “Há pessoas que estão numa
situação muito vulnerável e que vão esperar por melhores condições para ter o
filho ou os filhos que querem.” Podem até ser mais do que os pais de
2012.
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